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Gilberto Maringoni: O Império da Hipocrisia

Por Gilberto Maringoni A justa condenação geral ao ataque militar russo à Ucrânia não pode servir de argumento para se isentar de culpa o maior responsável pela crise no leste europeu. Durante pelo menos 15 anos – desde o discurso de Vladimir Putin na Conferência de Defesa da Europa, em 2007 – a Rússia tentou […]

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Por Gilberto Maringoni

A justa condenação geral ao ataque militar russo à Ucrânia não pode servir de argumento para se isentar de culpa o maior responsável pela crise no leste europeu. Durante pelo menos 15 anos – desde o discurso de Vladimir Putin na Conferência de Defesa da Europa, em 2007 – a Rússia tentou se fazer ouvir por Washington e pelos demais membros da OTAN para o problema de que expandir a organização até suas bordas seria inaceitável.

A recente intervenção de Joe Biden no Congresso – em especial em seus primeiros 20 minutos, nos quais ataca pesadamente a Rússia – ficará na história como uma das grandes peças da patifaria e da hipocrisia de um Império. O presidente não apenas desumaniza seu inimigo, como praticamente o considera um ser alienígena – “o mundo está contra Putin”. A dada altura, depois de repetir por 3 vezes a gosma da Guerra Fria – “mundo livre” -, o mandatário estadunidense começou a falar dos “países da OTAN”. A seguir, sentenciou: “Nenhum território da OTAN pode ser ameaçado!”

Oi?

“Território da OTAN?”

Acabou então o conceito de soberania que os Estados têm sobre seu próprio território? Os territórios da França, da Alemanha, da Itália, da Dinamarca etc. pertencem então à OTAN? Essa gente se vergou a esse ponto?

A maneira sádica com que Biden enunciou as medidas de destruição e esmagamento da economia russa mostra que Washington não apenas quer derrotar Moscou, mas almeja moer e humilhar o país. Os congressitas aplaudiam cada iniciativa com a cara mais limpa do mundo.

O chefe da Casa Branca exarava um ódio calmo e educado, como se estivesse num conclave do Rotary ou do Lions. Disse defender a democracia e a liberdade, como se a Ucrânia não tivesse banido o partido comunista em 2015, não perseguisse e prendesse opositores, como se o governo não fizesse vistas grossas para ataques violentos contra a população russa do leste e como se Zelenski e os oligarcas locais, acusados de depósitos ilegais no exterior, fossem exemplos de probidade e lisura com a coisa pública.

Não sei se Biden algum dia leu As Consequências Económicas da Paz (1919), de John Maynard Keynes. Integrante da equipe britânica nas negociações da rendição alemã em Versalhes, ao final da I Guerra Mundial, o economista desligou-se de sua delegação no meio do encontro, indignado. Saiu dali para escrever um libelo.

Atente-se para a sutileza brilhante do título. Keynes não fala das consequências da guerra, mas da paz humilhante imposta ao derrotado. A Alemanha foi penalizada numa escala pensada para inviabilizar seu futuro. De certa forma, o autor antevê o quadro terrível que poderia emergir de uma nação pisoteada e isolada por todos os lados. O resultado não foi bom para a Europa e muito menos para o mundo.

A russofobia percebida no cerceamento de manifestações culturais em vários países, a comparação de Putin com Hitler, o cinismo de se “esquecer” o que a OTAN fez em verões passados na Sérvia, no Iraque, na Síria, no Afeganistão e na Líbia formam um perigosíssimo caldo de cultura que não se sabe como pode terminar.

As grandes corporações de mídia – Globo no Brasil, entre outras – e as chantagens dos monopólios financeiros que começam a deixar o mercado russo vão muito além de defesa da paz. Representam a disseminação da guerra por meios aparentemente inofensivos, mas profundamente mais letais do que se vê em campos de batalha.

Esta guerra só terá algum saldo positivo se não tiver nem vencedores e nem perdedores. Ou seja, se cada um puder alardear ter obtido conquistas significativas. É algo difícil, mas não há outra saída.

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Comentários

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EdsonLuíz.

06/03/2022 - 21h36

Se mesmo após o esforço de mostrar como tudo é bem mais complexo e não se descomplexifica se for ideologizado, muito pelo contrário : com ideologismo pode até nublar mais. E refleti que para evitar de ficar cego não só precisamos colocar ideologias à parte como também precisamos colocar à parte as narrativas seguidistas e viciadas que leem os fatos para nós, tanto as narrativas dos doutrinadores ditos de direita como as dos ditos de esquerda. E isso vale para temas como Criméia, Kosovo, OTAN, corrupção, falsificação de orçamento, Sérvia, Albânia, albaneses, Ucrânia, captura de movimentos sociais para servirem a partidos ou qualquer tema.

Para não se enganar ou ser enganado ou para ao menos tentar evitar enganos, só com boa informação e nenhum ideologismo. Depois, quem quiser pode localizar a sua ideologia na opinião que formou.

Eu ainda delimitei em uma questão : as levianas denúncias de nazismo na Ucrânia. E olha que aqui em ‘ocafezinho’ eu já havia observado sobre nazismo e que defensores de nazismo tem lá na Ucrânia, tem aqui no Brasil, tem na Rússia e tem em qualquer lugar, e muita coisa foi discutida na imprensa séria sobre isso.

A Ucrânia PROIBIU símbolos e ideias comunistas e nazistas. Pronto! Se proibir é certo, se proibir é errado, se deve proibir só uma e não outra, sobre essas questões eu fiz a resposta de uma forma socrática exatamente para provocar os que manifestam opiniões sem informação suficiente e confiável ou fazem com viés ideologicamente viciado e que eu chamo de “verdades sem pensamento”.

E olha que eu delimitei apenas uma questão do texto do post para mostrar isso. Se eu houvesse pegado ponto a ponto do texto que eu acho viciado por esse viés, então?

Mas eu acho que cada um pode pensar como quiser. Se a pessoa quer viciar as ideias com ideologismos é um direito dela.

EdsonLuiz.

04/03/2022 - 19h46

É muito difícil discutir o mundo com quem é dono de mundos!

Não é que eu esteja discordando de tudo que foi dito neste post, não estou; mas ocorre de eu perceber certas táticas narrativas que, mesmo quando não têm a intenção, só servem para afirmar o mal e não ajudam a emergir o bem.

Eu poderia seguir repondo um monte de coisas afirmadas no post e que eu sempre acho que são consequências de verdades sem pensamento, mas vou apenas pontuar uma.

Não é exatamente que a Ucrânia baniu o partido comunista em 2015. O parlamento da Ucrânia, em 2015 proibiu por lei na Ucrânia a defesa de qualquer ideia totalitária de ultra-esquerda e de ultra-direita e o uso de símbolos como hinos, bandeiras e insígnias que evoquem ideias totalitárias. E definiu nessa lei quais são os símbolos e instituições que evocam essas idéias. Uma contigência dessa proibição é a definição de impedimento de funcionamento de partidos que defendam ideias comunistas e que defendam ideias nazistas.

Então, vejamos: o que o parlamento ucraniano fez não foi banir o partido comunista no sentido de perseguição ideológica; afinal, na mesma lei foi proibido também o funcionamento de partido nazista.

Por que eu reponho os fatos? Exatamente porque assim todos nós podemos refletir e formar opinião com menor chance de sermos contaminados por ideologismos que tratam fatos e informações de modo maniqueísta. Dito de outra forma: quando as coisas são informadas sem truncagens e manipulações, afastam o dirigismo de ideias e permite a liberdade e honestidade necessárias a um vislumbre mais próximo da verdade.

Usando informações sem truncagens e manipulações, tornamos o nosso pensar e o nosso dialogar mais rico e produtivo, evitamos o subproduto do ódio que vem junto e é inerente ao ideologismo e, mesmo que não consigamos alcançar a verdade ou que não tenhamos certeza de a termos alcançado, ao menos o que estivermos considerando como verdade estará acompanhado de pensamento livre de seguidismos e contaminações ideológicas.

Inteiramente informada a decisão do parlamento da Ucrânia, podemos nos por a pensar o que leva um país a legislar esse tipo de proibição e podemos pensar se nós concordamos ou não com a decisão daquele país.

A Ucrânia proibiu por lei o uso de símbolos e a defesa de ideias nazistas em seu território! Nós achamos correto ou nós discordamos dessa proibição? Se alguém, um apresentador de programa na internet – o Monark, por exemplo – manifestar sua opinião de que ele acha que um partido nazista deve ter direito de funcionamento, nós devemos buscar conhecer o que ele pensa para defender essa ideia ou devemos fazer o linchamento dele até destruí-lo?

Vou afirmar duas coisas que penso: Eu discordo do nazismo e acho as ideias nazistas perigosas! Eu também discordo de censurar ideias! Se tenho que pensar essas duas coisas, me ponho em conflito.

Alguém declarou que acha que um partido nazista não deveria ser proibido, sendo que essa pessoa não declarou que é nazista e que defende as ideias nazistas. E agora? O que eu penso dele? O que eu penso disso?

A Ucrânia viveu o terror nazista, com perseguição e eliminação de cidadãos ucranianos judeus pela Alemanha nazista. Inclusive familiares de seu atual presidente, o Zerensky, que é judeu, foram atingidos pelos nazistas. Em 2015, a Ucrânia proibiu o funcionamento de um partido nazista no seu território. Eu, que sou contra o nazismo mas sou também contra censurar ideias, como devo pensar essa decisão da Ucrânia? E à luz da experiência histórica dos ucranianos com o nazismo, como devo considerar a proibição?

Na mesma lei em que a Ucrânia proibiu em seu território o uso de símbolos e a defesa de ideias nazistas, proibiu também em o uso de símbolos e a defesa de ideias comunistas.

Eu tive o início de minha formação política no Partido Comunista Brasileiro. Eu tinha apenas 16 anos de idade quando fui “circulado” pelo PCB. Eu era muito pobre, assistia a muita miséria em minha volta e nem liberdade eu tinha: o Brasil estava mergulhado em um noite tenebrosa de ultra-direita, com muita falta de liberdade e eu tinha os cães fardados da última ditadura militar brasileira em meu calcanhar. O desejo de redenção que eu tinha para mim e para todos, àquela altura, eu via essa redenção em alguma coisa que me parecesse o oposto àquela ditadura. Me liguei ao PCB!

Com o amadurecimento político, eu concluí que estava enganado sobre o comunismo ser essa redenção. No movimento comunista, para mim, havia um diagnóstico errado de como fazer a história avançar. E as organizações de esquerda, à época, defendiam práticas autoritárias de exercício de poder. Eu continuei concebendo uma visão de mundo com muito do pensamento da esquerda política, mas não mais defendendo práticas autoritárias, acordei para muitas propostas mais à direita, propostas que antes eu condenava e arejei meus pensamentos. Saí do PCB!

Mas eu não acho as ideias comunistas perigosas. Considero perigoso o poder entregue a forças políticas autoritárias, mas não considero as ideias comunistas em si perigosas. O comunismo tem origem em inspirações iluministas e humanistas, diferentemente das ideias nazistas. Mas é muito comum que quem faz a defesa de ideias comunistas também defenda práticas autoritárias, seja intolerante e fechado a outras ideias fora de sua matriz e tenha uma concepção de Estado centralizado.

Eu devo defender o direito de funcionamento de um partido comunista ou a sua proibição? Se eu defender o direito de funcionamento de um partido comunista, devo defender que um partido nazista deve ter esse direito também?

A Ucrânia e o seu povo sofreu por décadas o terror de ser subjugado pela ditadura comunista liderada pela Rússia! Eles viveram sob o comunismo a mais dura repressão e cerceamento de liberdade, com muita perseguição e até eliminação física de quem divergia, fora o linchamento retórico diário que sofriam os dissidentes do regime.

Em 2015, a Ucrânia proibiu por lei o uso de símbolos e a defesa de ideias comunistas em seu território e proibiu o funcionamento de partidos comunistas. Fez essa proibição na mesma lei que proibiu o funcionamento de partidos nazistas.

Eu concordo ou discordo dessa proibição? E à luz da experiência daquele povo com o comunismo, como devo considerar essa proibição?

Com maiores informações e à luz do nosso contexto e do contexto deles, fica melhor para podermos pensar na decisão que eles tomaram. E serve também para pensarmos melhor aqui na opinião de quem pensa diferente entre nós.

Edson Luiz Pianca.
edsonmaverick@yahoo.com.br

    Tiago Silva

    05/03/2022 - 00h51

    Edson Luiz,

    O autor do artigo também é contra a invasão de países soberanos, mas destaca a hipocrisia dos EUA e Otan em inúmeros momentos históricos (inclusive muitos recentes – aliás o Kosovo é bem similar à busca de auto determinação do povo de Donbass). Não entre em maniqueísmos, pois ainda mais nos tempos atuais a sociedade e as questões são bem mais complexas. Aliás, quem deu a Ucrânia uma nacionalidade autônoma em sua história foi Lênin, apesar de Stalin ter buscado retomar o controle nesse recente país. Aparentemente Putin hoje busca fazer algo que foi feito e comemorado pela Otan na Iugoslávia (e infelizmente a OTAN destruiu a coesão e multiculturalismo do governo de Tito). Além desse exemplo mais imediato, tem-se também que os EUA e sua imposição neoliberal para sugar riquezas de países neocolonizados não é a pureza cândida que a narrativa da mídia main stream busca passar, principalmente se observarmos suas ações invasivas no Oriente Médio e em todos os lugares que intentam ter soberania sobre seus recursos naturais (e não duvide do apoio de instituições dos EUA tanto em 1964 como em 2015/2016 no Brasil – além de outros países sulamericanos com recursos estratégicos).

    Putin, por tentar se justificar com o mesmo erro do que os EUA não cansam de praticar, também não deve ser absolvido de sua tentativa de recriar uma “Nova Rússia” à força, mesmo com as populações dessas oblasts/regiões votarem majoritariamente em políticos pró-Russia e terem grande porcetagem de população de russófonos.

    Assim como não se deve passar pano no inconsequente do presidente da Ucrânia (que é um fantoche de um oligarca da mídia da Ucrânia e se utilizou disso para continuar sendo um fantoche, mas queria também ser fantoche de interesses dos EUA que lucram com uma desestabilização da Europa e da Eurásia – é uma mistura trágica de Gentilli com Moro com Huck e MBL). Infelizmente esse presidente colocou a sua população em risco e busca proteger essa população com espetáculos em mídias sociais no intuito de fanatizar uma população – isso sem falar na aderência de grupos neonazistas e neofascistas nas entranhas de suas forças locais e adesão desses grupos ao redor do mundo (não a toa que representantes do MBL foram tentar demonstrar adesão a esse desastre humanitário, mas só conseguiram lucrar a partir da miséria de outras populações e demonstrar quão é desastrosa/preconceituosa é essa Direita Neoliberaloide Brasileira).

    Nessa desestabilização dessa região os EUA vão lucrar com a perda de competitividade da Alemanha, com a dependência que busca que a Europa tenha (tanto pelo Gás dos EUA como em relação à indústria armamentista dos EUA), com o bloqueio do envolvimento da Russia com a China e ainda tentarem ser os “sherifes” do mundo. Uma pena, pois parece que os EUA vão conseguir com o sofrimento e morte da maioria das populações daqueles territórios.

    Muitas vezes as histórias podem não ter mocinhos, como foi o caso das vilanias dos presidentes dos EUA, presidente da Ucrânia, presidente da Rússia, OTAN, milícias neonazistas, Inglaterra querendo enterrar de vez a União Europeia, Europa acéfala, como também se vê vilanias aqui no Brasil como as recentes perpetradas por esses mesmos grupos que tentam impor um neonazismo e neofascismo entreguista no Brasil como MBL, Moro, Dallagnol, Bolsonaro, Guedes, Gentilli, Huck, Dória, etc – apesar da mídia main stream nacional criar suas narrativas em prol desses representantes do Capital.

      Tiago Silva

      05/03/2022 - 00h59

      Kkkkkkkk e o pior é que ainda queriam “Ucranizar o Brasil”…

      (Rir para não chorar com tanta submissão dessa Elite do Atraso brasileira)

Kamila

04/03/2022 - 19h32

Excelente.

Paulo

04/03/2022 - 18h50

Se a Rússia estivesse de fato preocupada com a comunidade russa no leste da Ucrânia, a invasão pararia nos limites desses territórios. É óbvio que é mera falácia. Embora ninguém seja inocente (nunca existem inocentes na geopolítica), o único culpado pela guerra é Putin…E, sim, a Rússia não é uma democracia. O medo de Putin é o “mau exemplo” que a Ucrânia ameaçava dar…E se o comediante presidente é corrupto, tenho certeza que Putin é muito mais…

William

04/03/2022 - 11h18

Quem anexou a Crimeia e a Geórgia ao próprio território via bombas foi a Russia e quem está querendo anexar a Ucrania ao próprio território via bombas também é a Rússia.

Paulo

04/03/2022 - 08h17

“Acabou então o conceito de soberania que os Estados têm sobre seu próprio território?” Não, seu imbecil. Territórios da OTAN são os territórios ALIADOS à OTAN.


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