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A escritora em seu labirinto: entrevista exclusiva com Elika Takimoto

(Foto: Facebook de Elika Takimoto) Semana passada, tive o prazer de conversar com a escritora, professora e agora também ativista política Elika Takimoto. A gente se encontrou no pequeno “bosque” localizado no pátio central do Cefet do Rio de Janeiro. Sentados num banco, em meio às gigantescas e centenárias árvores, observando, nos bancos próximos, os […]

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(Foto: Facebook de Elika Takimoto)

Semana passada, tive o prazer de conversar com a escritora, professora e agora também ativista política Elika Takimoto. A gente se encontrou no pequeno “bosque” localizado no pátio central do Cefet do Rio de Janeiro.

Sentados num banco, em meio às gigantescas e centenárias árvores, observando, nos bancos próximos, os grupos de jovens conversarem no tempo vago, eu ouvi Elika contar sua história.

É uma história de aventuras, como todas as histórias humanas. A diferença, talvez, é que Elika tem um talento extraordinário para narrar as aventuras peculiares que marcaram sua vida de professora, mãe e escritora.

Sua entrevista para um blog político tem um sentido: Elika entrou para a política.

Há algumas semanas, ela esteve no Instituto Lula, para conversar com o ex-presidente e receber uma consultoria de luxo.

Elika discute com movimentos sociais e grupos políticos do estado a possibilidade de lançar uma candidatura à deputada federal em 2018, para defender sobretudo a bandeira da educação pública.

Nessa conversa, ela conta como tudo aconteceu. Por que uma escritora bem sucedida, professora de um instituto federal, mãe de três filhos, resolve entrar na política justamente no momento em que a política brasileira vive um dos momentos mais dramáticos e sombrios de sua história?

“Eu não aguento mais não poder fazer nada. Então, se há a possibilidade de eu fazer alguma coisa, eu quero ao menos tentar. Se não conseguir, não tem problema nenhum. Mas agora eu quero tentar”, explica Elika, nessa entrevista ao Cafezinho.

Vamos à conversa com ela. Eu recortei os trechos que me pareceram mais significativos, e dividi em dois posts. Segue a parte 1.

***

Parte 1/2

M: Então, vamos falar agora um pouco sobre política. Você acabou se envolvendo, foi encontrar o Lula e talvez está cogitando até ser candidata no ano que vem. Eu queria saber quais são os principais motivos que te levam a pensar em entrar na política.

E: Bom, eu nunca pensei nisso na minha vida. Então, desde 2013, quando aconteceu tudo aquilo, que a gente não entendeu na época o que estava acontecendo, aquelas manifestações, a gente ficou meio perdido. Estava todo mundo lendo um punhado de coisas sem conseguir concluir nada. E foi o que falou o poeta Carlito de Azevedo, na época: se você acha que está entendendo alguma coisa, é porque você está mal informado. Sempre vem uma informação, que você pensa “de onde veio isso, como isso não vai pra frente, não tem uma atitude em relação a isso, o que está acontecendo?” Então, para melhor tentar entender todo esse cenário político e refletir sobre ele, aqui no CEFET, criamos um grupo, um coletivo político, onde a gente se uniu para debater política. Nesse grupo, que é o Núcleo Darcy Ribeiro, além de conversarmos muito entre nós, chamamos políticos para dar palestras e participar de mesas redondas.

Paralelamente a isso, a quantidade de seguidores que eu fui ganhando ao longo desse tempo – não sei identificar exatamente por que eu tenho tantos seguidores – cresceu de forma exorbitante. E eu estou sendo chamada para vários movimentos sociais. Teve um dia que eu cheguei para uma reunião com o Núcleo Darcy Ribeiro e um dos temas da pauta era Elika Takimoto. Eles falaram: “olha só, Elika, eu acho que você tem potencial pra entrar como candidata e a gente, ao invés de ficar aqui debatendo, vai ter uma pessoa lá, que vai nos representar, vai representar a educação, você não está sozinha, a gente está junto, pra você cogitar essa hipótese”. Quando eu ouvi, obviamente, eu tive muita resistência, porque uma coisa é você fazer textos, outra coisa é você debater, outra coisa é você se candidatar ou você se manifestar filiada a um partido. Porque eu estou dando palestras no Brasil inteiro sobre educação, sobre ensino de física e mais um punhado de coisas, e eu gosto de fazer isso. Então, se eu tiver o carimbo de um partido ou se eu me colocar como candidata, isso poderia implicar eu deixar de fazer esse tipo de coisa, que eu gosto muito.

Enfim, mas aí, a ideia começa a colocar uma sementinha. E a gente conversando com políticos que vieram aqui dentro, eles começaram a falar assim: “pensa, você tem chance”. Aí teve o texto que eu fiz, que fez o Lula me ligar…

M: Ah foi depois desse processo todo?

E: Foi. As coisas acontecem em paralelo, não é linear. Aliás, paralelo, não, porque se cruza. São várias coisas acontecendo ao mesmo tempo.

Aí, o Lula me ligou, o Reimont, que é vereador do PT, tinha vindo aqui no CEFET junto com a Marielle Franco e um representante do vereador Célio Luparelli, pra fazer uma mesa redonda sobre a “cidade que queremos”. Quando o Reimont me conheceu, eu mediei a mesa e eu conversei muito com ele, a gente ficou amigos no Facebook e tudo. Quando o Lula me ligou, o Reimont entrou em contato comigo e falou assim: “poxa, Elika, você podia pensar em entrar pra política, pensar mesmo, porque eu entendo o telefonema do Lula como um chamado”. E ele fez isso sem saber que meu grupo já estava pedindo pra que eu me candidatasse. Então, essas coisas começaram a aparecer. E aí, outros políticos vieram e esse negócio acabou virando um zigoto dentro de mim, já não mais uma sementinha, já estava algo maior e eu acho que agora já tenho um “feto” aí de uns três meses crescendo.

A gente conseguiu chamar Ciro Gomes pra cá, para o CEFET, eu fiquei muito tempo conversando com ele. Agora eu quero entender como funciona a estrutura, o jogo por dentro. Ele me explicou um punhado de coisa e foi aonde eu pensei também. Quando o Lula me ligou, a Gabi, do Instituto Lula, entrou em contato comigo pra pedir meu telefone, via messenger, via Facebook. Como eu estava com o contato da Gabi, eu falei assim: “acho que eu vou entrar em contato com ela, contando o que está acontecendo comigo”. Quando eu mandei o áudio pra ela, eu falei assim: “eu posso estar surtando, porque o Lula tem outras prioridades, mas eu gostaria muito de conversar com ele sobre o que ele acha dessa ideia. Se ele não puder me atender, ótimo, mas o não eu já tenho”. Ela me retornou e falou: “olha, ele falou que te recebe com prazer”. E aí, na conversa com o Lula, tudo mudou. Agora, eu estou bem disposta a tentar, estou bem animada, ao contrário do que as pessoas falam: “pô, você vai entrar nesse cenário político?” É por causa disso que eu quero entrar, porque eu acho que a gente tem que estar ali dentro pra saber qual é o jogo, para denunciar, como tem vários políticos denunciando. A gente precisa de mais políticos assim. Discurso de ódio não me afeta, cenário político atual…muito pelo contrário, isso me instiga a tentar entender e ver o que eu posso fazer efetivamente, se é que eu posso fazer alguma coisa.

M: No seu texto, você fala muito sobre a questão dos orçamentos para a Educação, para a Ciência, que tinham melhorado no Governo Lula e que agora você via várias coisas sendo desmontadas. E de lá pra cá continua esse processo de desmonte?

E: Continua, piorando de forma desesperadora. Aqui no CEFET, no Governo Lula, os professores ganharam muito incentivo, o salário melhorou muito, incentivo a estudar, a fazer pós-graduação, os laboratórios melhoraram, a participação de professores em congressos. E tudo isso oxigena muito a cabeça dos professores. E professor com a cabeça oxigenada é o que há para estimular alunos a estudarem e tudo mais. Estava tudo acontecendo, tudo certinho, tudo funcionando aqui dentro, um ambiente de trabalho ótimo. E eu estou indo em várias instituições federais pelo Brasil inteiro pra dar palestra, todas estão assim, com tudo funcionando, tudo certinho. Depois deste golpe, aí veio o corte de, como eles chamaram, “gasto na educação” e tudo mais que estão cortando. Nós, dos institutos federais e do CEFET, sentimos isso na carne.

Então, por exemplo, para professor viajar, mesmo que tenham trabalhos aprovados em congressos, eles vão ter que pagar do próprio bolso. E aí tem muitos professores que não vão. Visita técnica idem, equipamentos de laboratório idem. E a tendência é piorar. Isso a nível federal. Das escolas do Brasil inteiro, a gente vê aí essa reforma do ensino médio vindo a galope. E aí isso é mais triste ainda, mexendo com as escolas públicas de todo o Brasil, não só da rede federal, como da rede estadual, que vai refletir na municipal também. A gente vê o sucateamento do ensino público, sem precedente na história do Brasil.A dificuldade de ascensão social vai aumentar muito com essa reforma no ensino. O cara que é pobre não vai conseguir chegar numa universidade, as universidades vão ficar destinadas àquela elite que sempre se achou dona exclusiva delas.

Inclusive, inicialmente, o Lula virou pra mim e falou assim: “você vai se aborrecer muito entrando pra política. Você tem uma vida calma, uma vida tranquila, você quer mesmo se meter com isso?” E a resposta que eu dei pra ele foi: “o que me aborrece, o que me tira do sério, é eu viver isso tudo, ver esse sucateamento na educação sem poder fazer nada. Então, se eu puder, de fato, fazer alguma coisa pela educação pública, lutar por uma educação pública de qualidade, de acesso justo às universidades, eu quero estar nesse meio”. O que me faz mal, o que me aborrece não é o discurso de ódio de um ou outro que fica me xingando, é eu não poder fazer nada. Eu não aguento mais não poder fazer nada. Então, se há a possibilidade de eu fazer alguma coisa, eu quero ao menos tentar. Se não conseguir, não tem problema nenhum. Mas agora eu quero tentar.

M: Só queria entender um pouco mais sobre a sua personalidade, que acho que vai ser legal pra entrevista. Você foi criada aqui no Rio de Janeiro mesmo, né?

E: Sim.

M: E você sempre quis ser cientista, escritora?

E: Não, eu sou o que sou – se é que eu sou alguma coisa – porque eu acho que tudo que eu pensei em fazer deu errado. Nada deu certo. Eu nunca pensei em ser professora do CEFET. Na verdade, eu gostaria de ter sido diplomata, que eu achava bonito e tudo mais, aí eu não conseguia, nunca consegui ser fluente em inglês, acabei fazendo faculdade de física, porque me encantou. Eu queria fazer bacharel, queria ser cientista, mas engravidei no meio da faculdade e tive que correr pra licenciatura, porque me daria emprego imediato. Aí, eu queria voltar a estudar de algum jeito, queria fazer mestrado em ensino de física, só que o mestrado que eu queria não tinha no Rio. Acabou pintando um outro mestrado, que meu orientador me chamou. Eu fui meio a contragosto, depois eu me encantei, que foi História da Ciência. Depois eu queria continuar o Doutorado em História da Ciência, a orientadora falou que eu era muito inquieta e que eu tinha que ir pra área da filosofia. Eu não sabia nem o que era Platão direito. Tive que estudar pra mudar de área. Fiquei três anos estudando, para entender a filosofia e conseguir passar na prova do doutorado. E assim foi, eu não tive uma trajetória traçada, não. As coisas sempre aconteceram assim, tudo misturado, a vida foi me empurrando e continua acontecendo, como esse caso da política.

M: É a tese da borboleta [tese segundo a qual, quando uma borboleta bate asas no Brasil, isso pode acarretar um furacão na China].

E: Exatamente.

M: Sua tese de doutorado foi em quê?

E: Foi falando sobre o que há de metafísica, de transcendente dentro da física. Eu mostro que a física não é uma ciência exata. Que, ao contrário do que eu acreditei um dia, quando a gente está trabalhando em cima de uma teoria dentro da física, você está longe de estar no campo das certezas. Quando você começa a estudar os conceitos de base, tudo é passível de controvérsia. E aí eu fui mostrar o quanto tem de transcendente nas teorias físicas que eu analisei. Eu só não tive tempo de fazer com mais teorias, mas se eu tivesse tempo, acho que a conclusão seria a mesma. Me transformou como professora. Eu sou hoje outra professora.

M: Interessante, porque esse campo da certeza, é onde a humanidade é muito enganada o tempo inteiro. Você vê na questão da economia: você tem algumas certezas, por exemplo, eles determinam que você tem que cortar gastos aqui e ali e isso vai determinar o crescimento econômico do país. O país não cresce, nenhum país que fez isso jamais cresceu, mesmo assim eles têm o controle da verdade. Eles têm o controle da informação e conseguem fazer o país sofrer por anos até que as condições políticas façam que se derrube esses economistas falsos.

E: O negócio é que quando tem números, gráficos, as pessoas acham que está no campo das certezas. E na física, como na economia, a gente não está no campo das certezas.

M: Exatamente. Essa teoria que você aplica na física, evidentemente, você aplica até com muito mais propriedade na economia.

E: Agora, tem uma coisa: quando eu estava estudando, escrevendo minha tese, eu entrei em choque com minha prática em sala de aula.

Tudo acontece junto. Começaram a vir os médicos cubanos, e eu vendo a comunidade médica brasileira se revoltar com a vinda dos médicos cubanos, sem entender o porquê da revolta. Eu tenho uma irmã que é médica e ela falava assim: “poxa, suas aulas de física me fizeram ter confiança na ciência, hoje eu tenho confiança na ciência e a ciência que a gente estuda não é a ciência dos médicos cubanos”. A minha irmã foi minha aluna. A minha irmã, que hoje se coloca como uma pessoa de direita, médica, me falando isso, que eu formei o conceito de ciência na cabeça dela, e eu já estava no doutorado vendo o quanto a física de exata não tem nada. Eu percebi que a minha posição em sala de aula, reproduzindo um conceito de ciência que não é verdadeiro, era uma posição política séria. E eu comecei a estudar sobre o porquê eu agia assim. Por que me obrigavam a dar uma aula de física onde eu passava para meus alunos um conceito de ciência, que vai de forma inconsciente, de forma subliminar.

Por exemplo, se eu chego em sala de aula e mostro que tudo é demonstrado matematicamente, coloco o problema, coloco o número, vou pro laboratório, mostro que dá tudo certo, então eu vou fazendo isso ao longo dos anos. Aí o professor de química faz igual, o de matemática faz igual, o aluno sai do ensino médio com o conceito de ciência formado. O conceito de ciência, que hoje eu considero um conceito muito errado, como se fosse uma verdade objetiva, como se a gente estivesse dentro de verdades absolutas e inquestionáveis. E não é assim. Aí quando você ouve que é cientificamente comprovado que um produto faz bem ou mal, isso tem um peso na cabeça da gente, que tem um determinado conceito de ciência, um respeito pela ciência, uma segurança na ciência muito grande. Como se a ciência fosse algo objetivo, algo que não fosse criado pelo homem. E foi aí que eu mudei minha postura em sala de aula. Eu falei: eu não posso continuar formando pessoas que sejam cegas em relação às bases, aos fundamentos, ao modus operandi da ciência. E os conceitos que nós temos hoje são conceitos socialmente construídos. Por exemplo, o conceito de saúde ou o conceito de doença. Se a gente for estudar bem-estar e equilíbrio, a gente sempre cair no oriente. O conceito de saúde deles não tem absolutamente nada a ver com você tomar remédio todos os dias. E a gente aqui já tem. Tudo bem eu tomar remédio todo dia, se eu estiver me sentindo bem. Isso, pra outras culturas, é considerado uma doença.

No caso da vinda dos médicos cubanos, eu fui refletir porque os médicos brasileiros estavam tão revoltados com os médicos cubanos. O conceito de saúde do Brasil e de muitas medicinas ocidentais está conectado ao apoio da indústria farmacêutica, então é um mercado que tem muito interesse em formar um conceito de saúde na cabeça de várias pessoas. Em Cuba, não tem indústria farmacêutica apoiando nenhuma pesquisa, como temos aqui no Brasil. E aí você começa a suspeitar de várias pesquisas sendo feitas apoiadas pela indústria farmacêutica. Primeiro, eles fazem um remédio, depois arrumam uma doença pra vender aquele remédio. Enfim, aí eu fui ver que o conceito de saúde também não é universal, objetivo, assim como o conceito de doença, assim como o conceito de cura, que era um choque mesmo cultural que estava acontecendo e, enfim, eu sei que veio tudo isso junto e eu, como professora de física, eu tenho uma responsabilidade social muito grande, exatamente na formação do conceito de ciência na cabeça do aluno. Aluno meu, hoje, quando ele ouve que é cientificamente comprovado, ele não vai – assim espero – aceitar isso de cabeça baixa, ele vai querer saber cientificamente comprovado por quem, quem financiou a pesquisa, qual autoridade falou isso, tem dinheiro envolvido?

M: Inclusive, esse conceito de questionar a ciência, pra mim, é o conceito que veio da ciência mesmo. Se o homem não questionasse uma verdade absoluta, a gente ainda estaria na Idade da Pedra. Nada teria sido inventado.

E: Agora, eu tenho um caso pra te contar, que eu acho um exemplo muito forte. Eu odeio falar de experiência pessoal, mas eu vou usar essa, porque eu achei que me transformou muito. Há alguns anos, eu sofro de enxaqueca e eu decidi curar essa enxaqueca. Aí eu coloquei uma postagem no Facebook perguntando se alguém tinha algum médico pra indicar. Tinha um médico, um garoto que estudou comigo, era o melhor aluno em sala de aula, professor-doutor da UFRJ. Ele falou assim: “Elika, acho que eu posso te ajudar, está aqui meu celular, ligue pra mim”. Eu liguei, marquei uma consulta, fui até a UFRJ, porque ele trabalha lá, dá aula lá. A gente ficou uma hora conversando e ele descobriu que a origem da minha enxaqueca eram as noites mal dormidas. E aí o que ele fez? Como todo bom médico brasileiro, ele vai receitar um remédio pra dormir. E aí eu fui pra casa, com o remédio comprado, tomei o remédio, fiquei um mês tomando e tive o melhor sono, foi ótimo. Aí eu voltei pra ele, dois meses depois, e falei assim que eu queria, agora, me livrar do remédio. Aí ele me questionou: “por quê? Você não está dormindo bem? As dores de cabeça não passaram?” Eu falei que tudo isso melhorou. Ele: “então, você está bem”. Eu falei: “não, eu estou tomando um remédio todos os dias pra dormir e eu me sinto mal com isso, porque me sinto doente. Eu estou doente, estou precisando tomar um remédio pra dormir, eu quero conseguir dormir sem remédio”. Aí ele falou assim: “não, você não precisa disso. Qual é o problema de você tomar remédio pra dormir? Você é uma pessoa saudável, o remédio está te dando uma coisa que seu corpo não tem. Aceita isso, não tem o menor problema. Aliás, eu acho até melhor, de repente, aumentar a dose, que você vai ficar melhor ainda”. Aí eu via que o médico não ia me ajudar, tentei tirar o remédio sozinha e foi um erro muito grave que eu cometi, porque não se deve fazer isso, eu tentei cortar o remédio e quase enlouqueci mesmo, teve um efeito rebote na minha cabeça e eu fiquei numa ansiedade, tive uma crise de enxaqueca igual nunca tive. Depois de muito custo, sozinha, lendo, estudando, eu fiquei três anos tomando remédio e no último ano eu fui fazendo meu desmame sozinha. Nesse meio tempo, esse médico, que, obviamente, é outro ligado à direita, como vários médicos no Brasil são, ele fez uma postagem no Facebook mostrando nossas prateleiras cheias de biscoito e as prateleiras da Venezuela vazias, sem biscoito nenhum, falando “olha a diferença, estão querendo fazer com que a gente se torne uma Venezuela”. E, por acaso, foi uma prateleira só de biscoitos. Eu falei assim pra ele: “cara, tudo isso que você está mostrando não é alimento, é veneno pra criança”. E começou um diálogo/debate nos comentários. E eu falei pra ele que a indústria alimentícia, assim como a indústria farmacêutica, está criando zumbis. Eu falei assim: “veja bem, doutor, nunca o brasileiro esteve tão doente e nunca teve tantas farmácias, como eu vejo agora. Eu não tenho amigos que não tomem remédios, todo mundo toma remédio pra pressão, pra depressão, pra dormir, pra acordar, pra sei lá o que”. Tem alguma coisa esquisita aí. Nunca o brasileiro tomou tanto remédio e nunca o brasileiro esteve tão doente. E aí ele, que foi um dos melhores alunos, que fez UFRJ, que fez mestrado, doutorado, que ajuda a formar médicos no Brasil, responde o seguinte: “não sou eu que estou dizendo que remédio faz bem, é a ciência que diz isso”. Eu respondi: “e quem fez a ciência? Foi Deus, por acaso? A ciência é feita pelos homens”. Ele respondeu assim: “os brasileiros não estão saudáveis, porque eles não estão tomando remédio suficiente ainda. Quando eles começarem a tomar remédio suficiente, eles vão conseguir ter uma qualidade de vida melhor. Emagrecer, dormir, acordar, se concentrar”. Ele falou isso não foi por maldade. Assim como N outros médicos, ele foi fruto de uma lavagem cerebral que a escola, que está dentro desse processo, ajuda a fazer. Porque a escola, tal qual nós temos hoje, é um projeto para formar um bando de sujeito acrítico, que não reflete sobre o que faz, um bando de pessoas bobas mesmo, que não conseguem debater um determinado tema com profundidade. É o que se vê por aí, você não consegue dialogar com ninguém, você começa a conversar, mas se tentar aprofundar o assunto, é muito complicado. E todo mundo ficou não sei quantos anos na escola. Quem ajudou a formar essas pessoas acríticas, que aceitam tudo de cabeça baixa? Parece um bando de gado mesmo.

M: Vai piorar ainda mais, com a reforma do ensino médio e com a escola sem partido.

E: Vai piorar muito.

M: A escola sem partido é parte da reforma do ensino médio…

E: Não, são coisas diferentes. São os mesmos defensores. Aí você vê, são educadores, tem algum Paulo Freire, algum Darcy Ribeiro ali? Não. Você vê, como sempre foi na história da educação no Brasil, não são os educadores que ditam como a escola tem que funcionar, são os administradores, que estão ligados a algum interesse político que não tem a ver com o interesse da grande maioria da população. Isso é triste de acompanhar. E não tem como separar. Você vê: veio na mesma conversa médicos cubanos, educação, ciência, política. Está tudo misturado mesmo.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Weber Figueiredo

06/07/2017 - 13h50

Elika é D+

Paulo LIma

06/07/2017 - 12h00

Se a ciência e a filosofia estão sempre subordinadas a estruturas econômicas é animador que uma professora de física no ensino técnico disponha-se ao conhecimento da realidade política na prática. E já que está para filiar-se ao PT, permita-me sugerir a leitura, pelo menos, de As origens do cristianismo, Karl Kautsky, pois se, como diziam os inquisidores, de boas intenções o inferno está cheio, que são Marx nos oriente na luta contra o grande mal contemporâneo, o imperialismo econômico-financeiro, essa abstração capitalista de eficácia devastadora.

Maysa Blay

06/07/2017 - 05h52

Grande Elika. Grande Cafezinho! Queremos e precisamos de uma Elika na política. Coragem!

Silvio Elias

05/07/2017 - 23h31

    Batista

    06/07/2017 - 01h13

    Porque o escondidinho do coxinha que tem a estultice por alma, sem vergonha, gosta de exibi-la, como faz mais essa vítima da desinformação, acima.

    Karine Ribeiro

    06/07/2017 - 10h56

    Putz… homi vc sabe que ser testemunha não é uma opção é sim uma imposição? Oh não né , então segue com o meme,uma leitura mais profunda sob o processo penal brasileiro não deve ser interessante, acho. Abraço

Wellington Nascimento

05/07/2017 - 17h22

Médico de direita é pleonasmo. Quando se começava a discutir a possibilidade de uma greve no fim dos anos 70 e começo dos 80 nós, estudantes da Universidade Federal da Bahia, já sabíamos que a Escola Politécnica (engenharias), a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito não adeririam. E isso sempre acontecia. Eram conhecidas como as escolas de direita.

João Batista Kreuch

05/07/2017 - 15h41

Excelente o pensamento dessa mulher.. se ela se candidatar a qualquer coisa, eu apoio!


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