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A liberdade de ensinar X escola sem partido: entrevista exclusiva com Elika Takimoto, parte 2

(Foto: Facebook de Elika Takimoto) Esa é a segunda e última parte da entrevista exclusiva de Elika Takimoto para o blog O Cafezinho. A primeira parte foi publicada no post anterior. M: Um outro assunto que é importante abordar, que tem a ver com esses temas, é sobre a questão do sistema de comunicação e […]

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(Foto: Facebook de Elika Takimoto)

Esa é a segunda e última parte da entrevista exclusiva de Elika Takimoto para o blog O Cafezinho. A primeira parte foi publicada no post anterior.

M: Um outro assunto que é importante abordar, que tem a ver com esses temas, é sobre a questão do sistema de comunicação e como ele influencia a mentalidade dos jovens, dos estudantes. Saiu uma matéria dizendo que o Brasil está em segundo lugar no ranking mundial de população que acredita na mídia. Em primeiro lugar, está a Finlândia. Mas a TV pública finlandesa é uma das melhores do mundo, que até 1985 tinha o monopólio total dos rádios, e hoje tem vários canais de TV. É um grupo de comunicação 100% público, que tem 50% do market share da Finlândia. Depois, vem Portugal, que também tem uma rede pública de TV muito forte, que fez a regulamentação da mídia há alguns anos. Nos Estados Unidos, que têm uma TV privada, só 38% acreditam na mídia. Na França, que privatizou sua mídia ao fim dos anos 80, menos de 30% acreditam na mídia. Então, o fato de o Brasil ter 60% de pessoas que acreditam na mídia, num ambiente de monopólio tão grande é assustador, porque não tem uma mídia democrática. Só queria fazer esse preâmbulo para saber sua opinião: como educadora, como você acha que mídia pode influenciar na opinião dos jovens?

E: Bom, a gente sabe que a mídia daqui está conectada com os interesses de uma elite. Acho que o jogo está muito claro. Eu fico chocada como tem gente que ainda não enxergou isso. As reformas estão todas conectadas. A reforma do ensino médio está ligada com as outras reformas, está tudo conectado com o intuito de destruir mesmo, de manter os privilégios de quem já os tem e dificultar a ascensão de classe social. O grande ódio que as pessoas têm em relação ao PT não tem nada a ver com a figura de Lula, foi o que o Lula fez pelo povo, que incomoda muita gente.

No caso da mídia, se ela fizesse o papel dela, seria ótimo, que seria informar e deixar que a gente opinasse. O problema é que a informação já vem com uma opinião muito forte e as pessoas acreditam e confiam como se aquilo ali fosse verdade, porque, a princípio, os jornais serviriam para dar uma informação. E eles estão dando uma informação misturada com opinião e aí a grande massa acaba lendo aquilo como se fosse uma verdade absoluta. A grande mídia faz parecer que o mundo é dicotômico, que existe o bonzinho e existe o mau. Aí coloca um juiz Moro para ser o salvador da pátria e o Lula para ser o mau. E as pessoas se esquecem que entre o branco e o preto tem infinitas escalas de cinza, que o mundo não é novela, só que o povo assiste muita novela, acredita que ou uma pessoa é completamente boa ou completamente ruim e aí o discurso dessa grande mídia é muito assim: existe o salvador da pátria e existe o maior ladrão do Brasil. E fica um discurso simples de ser assimilado e as pessoas acreditam nisso. E não é. Quando você pega pra estudar qualquer coisa, e não importa o quê, você vê o quão complexa é essa coisa. Quando você vê uma pessoa falando “isso é muito simples”, é uma pessoa que não deu o olhar suficiente para aquilo. Não tem nada simples, ainda mais na nossa realidade. Como vai resolver o problema do Brasil, da crise, como se reverte tudo isso que está acontecendo? É extremamente complexo. As pessoas vêm com soluções simples pra tudo e aí é complicado. Então, a mídia ajuda emburrecendo as pessoas com esse discurso simplista, de que existe o bom e o mau e nada além disso.

M: é o maniqueísmo.

E: Isso.

M: E sobre o feminismo?

E: A gente precisa esclarecer para a população o que é. Tem gente que acha que movimento feminista é coisa de esquerda. Aí eu vejo umas meninas que votam em Bolsonaro falando que não precisam de feminismo para nada. Assim, uma das bandeiras que eu levanto, que eu procuro participar é isso, onde você debate o feminismo, discussão de gênero – eu tenho aprendido muito com isso.

M: Você observa que um dos alvos mais importantes do escola sem partido é a questão de gênero. É um dos objetos que desperta mais hostilidade por parte das pessoas que defendem esse projeto.

E: Eles têm medo de fazer essa discussão de gênero nas escolas. Eles falam isso, mas não sabem o que estão falando. Como se isso fosse uma coisa ligada à promiscuidade e não é. É uma questão filosófica, sobre a essência do ser. E eu gosto muito dessa discussão. Não tem absolutamente nada de promíscuo, você pode até falar em sexo como uma coisa altamente natural, que todo mundo faz, de uma forma ou de outra, e acaba desmistificando, quebrando um pouco o tabu. Mas discussão de gênero não é sinônimo de falar sobre sexo e sim sobre o ser em si. Quem fala mal da discussão de gênero nas escolas não sabem do que se trata. O pior é fazer propaganda de uma ideia errada, que a gente está ensinando sexo nas escolas e não é nada disso.

M: O que eu sinto é que essa escola sem partido tem um objetivo que eu considero diabólico, que é controlar a liberdade do professor de sair do script por parte de uma autoridade central, que vai emitir uma linha mestra do Ministério da Educação e o cara não pode sair daquilo. Então, por exemplo, a sua teoria sobre a ciência como não sendo uma verdade absoluta, com a escola sem partido…

E: Mas o objetivo da escola sem partido é exatamente esse. O que está acontecendo: está começando na educação brasileira, com vários professores inspirados em escolas como a Escola da Ponte, de Portugal, e no sistema educacional da Finlândia, que tem uma outra metodologia, um outro conceito de escola, que não tem absolutamente nada a ver com nosso conceito de escola, de visão de séries, de bando de aluno confinado numa sala de aula. Escola pode ser isso, com professores orientando projetos desenvolvidos pelos alunos e os alunos sendo protagonistas o tempo todo, eles estudam o que quiserem e os professores guiam, dão ideias, mas não tem mais isso de ficar informando nada em sala de aula. Qual é o cidadão que se forma fruto de uma escola como essa? É o cidadão com uma auto-estima lá em cima, com uma facilidade de aprender e debater qualquer tema, com o prazer em conhecer, com um autoconhecimento de sua capacidade intelectual, então ele sabe que pode ler sobre qualquer coisa, aprender sobre qualquer coisa, sem preconceito com disciplina nenhuma, mesmo porque não tem disciplina separada nessas escolas, como é o conhecimento, que não é compartimentado por natureza. Esse modelo de escola que compartimentou tudo. Então, tem isso, há modelos de escola que geram um ser pensante. Tem muitas escolas aqui no Brasil já inspiradas nesse tipo de escola, que está tendo como resultado o adolescente questionador.

M: Mas isso requer uma liberdade do professor, que a escola sem partido vem matar.

E: Tem que ter muito mais. Isso é tão complexo. O que o professor faz em sala de aula? Qual é o papel do professor dentro desse sistema tradicional? É manter a disciplina. E uma das classes mais conservadoras que existe é a de professor. Tem professor que fala assim: “eu exijo respeito, aluno meu tem que estar calado pra eu falar”. Esse professor é altamente opressor. Você obrigar seu aluno a ficar calado pra te ouvir. Isso não faz o menor sentido. A partir do momento que você usa a autoridade, você está falhando como educador, dependendo do conceito que você tem de educação. Se o conceito de educação estiver associado ao conceito de disciplina, então você pode ter certeza de que está sendo o opressor e está ensinando o cara a ser oprimido de boca fechada. E quando o aluno começa a se revoltar contra o que os pais e a escola ensinam, qual discurso? Você vai ter que me obedecer, porque lá fora você vai ter um patrão que você vai ter que obedecer também, senão você não vai ter emprego. O burro, o bobo é gerado dentro da escola, com um discurso assim, que a gente ouve o tempo todo. Todo aluno que é criativo, que é revoltado, ele é punido, dizem que não vai ser ninguém, porque ser alguém na vida é ter poder de consumo. Então, quando o aluno pergunta para o professor “onde eu vou usar isso?”, o que ele aprende não tem conexão nenhuma com a realidade mesmo, o professor diz que ele vai usar no vestibular. Que tipo de educação é essa que você ensina algo que não vai ser usado no dia-a-dia? Meu aluno chega aqui com 15 anos e eu vou falar pra ele que eu estou ensinando uma coisa que ele vai usar daqui a três anos? O sistema é excludente na base. E o professor é uma marionete desse sistema. Se você já tem consciência que você é uma marionete e está ajudando a emburrecer pessoas, que você está tendo uma posição política mesmo que você não assuma uma posição política, já ajuda muito. Tem que trocar a roda desse carro em movimento. Tem que ensinar os professores que esse sistema também não foi dado por Deus, não é objetivo, também foi criado por homens. Se a escola muda, se a escola começar a debater política, o conceito de ciência, de saúde, se a escola começar a debater para quê, por quê, o que vai ser gerado no final? Um ser livre, que não vai aceitar a rédea com facilidade. A escola tem papel fundamental nisso tudo.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Pepe pereira

06/07/2017 - 11h00

Ensinar o quê, cara pálida? Somente a mundividência esquerdista? Só há esquerdistas no país? Meus filhos não são de Esquerda e não quero que um vigarista na escola os doutrine. Escola é pra se aprender ciências, matemática, física, química, biologia, as línguas… São estas disciplinas que colocam um país pra frente. Vá ver se na Coreia do Sul – que deu um salto de desenvolvimento recente – estão ensinando gayzismo, feminismo, comunismo e outras porcarias ideológicas. Que se ensine história e geografia, mas do ponto de vista natural, objetivo e, se há alguma contradição, que se mostre todas as interpretações e teorias, sem privilegiar nenhuma delas.

    Marcelo

    07/07/2017 - 18h51

    O problema que ele fala dessas opressões todas e mesmo sem a escola sem partido o ensino não melhorou, piorou. O problema que os alunos descoram, não aprendem. Depois que introduziu o social em detrimento do ensino a coisa só piorou.

Simone Ferreira

06/07/2017 - 09h43

Parabéns pela entrevista, admiro muito esta mulher.

Edilma Soares

06/07/2017 - 10h45

O Cafezinho e Elika Takimoto! ?


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