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Tributação de alimentos ultraprocessados: vantagem para todos

O aumento do custo dos alimentos ultraprocessados poderia ser uma das poucas ocasiões em que uma reforma fiscal representa uma situação vantajosa para todos Na semana passada, o Senado Federal recebeu uma versão revisada da proposta de reforma tributária, que inclui a possibilidade de um imposto especial sobre o consumo de alimentos prejudiciais à saúde. […]

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O aumento do custo dos alimentos ultraprocessados poderia ser uma das poucas ocasiões em que uma reforma fiscal representa uma situação vantajosa para todos

Na semana passada, o Senado Federal recebeu uma versão revisada da proposta de reforma tributária, que inclui a possibilidade de um imposto especial sobre o consumo de alimentos prejudiciais à saúde. O foco da proposta nesta questão é adequado e oportuno, pois abre o caminho para encorajar melhores escolhas alimentares e melhores resultados de saúde no momento certo.

A qualidade da dieta dos brasileiros está se deteriorando, e a causa disso é um maior consumo de alimentos ultraprocessados. Alimentos altamente processados, como refrigerantes, salgadinhos embalados e cereais açucarados, representaram entre 13% e 21% da ingestão energética total de adultos brasileiros em 2018; esses alimentos estão associados a 10,5% de todas as mortes prematuras de adultos de 30 a 69 anos de idade (NILSON et al., 2023). A expectativa é que essa tendência piore ainda mais, especialmente entre a população rural, mais pobre e menos instruída (LOUZADA et al., 2022). Atualmente, mais de 50% dos adultos brasileiros estão acima do peso. O sobrepeso e a obesidade representam, sozinhos, um custo direto anual de R$ 1,5 bilhão para o tratamento de doenças não transmissíveis no Sistema Único de Saúde—SUS (FERRARI et al., 2022). Caso a situação não mude, projeta-se que, até 2030, o SUS gastará até R$ 4,2 bilhões ao ano com o tratamento de doenças não transmissíveis (GIANNICHI et al., 2023).

Um imposto mais elevado sobre os alimentos ultraprocessados aumentaria o seu preço e reduziria o seu consumo, o que melhoraria a saúde das pessoas e reduziria a carga das doenças, tanto para as famílias como para o orçamento. Um estudo a ser lançado em breve pelo Banco Mundial estima que um aumento hipotético de 10% no preço dos alimentos ultraprocessados no Brasil reduziria o consumo desses alimentos em 17%, em média. Além disso, os benefícios seriam maiores para as famílias mais pobres, que mudariam uma parte maior do seu consumo para alimentos mais saudáveis. A redução no consumo de alimentos ultraprocessados entre as famílias dos 10% mais pobres da distribuição de renda poderia atingir 27% em resposta a um aumento de 10% no seu preço. Ou seja, um imposto mais elevado sobre os alimentos ultraprocessados ajudaria a reduzir o excesso de peso e a obesidade na população, com uma redução maior entre as famílias mais pobres.

O estudo mostra também que esta política seria progressiva: a carga fiscal seria maior para as famílias mais ricas. As famílias no decil mais rico dedicam 29% das suas despesas alimentares a alimentos ultraprocessados, em comparação com 18% entre as do decil mais pobre, o que significa que impostos mais elevados afetariam desproporcionalmente as famílias com rendimentos mais elevados, aumentando a sua carga fiscal em relação aos pobres.

Finalmente, com um consumo mais saudável, o estudo estima que as despesas médicas com doenças associadas diminuiriam para as famílias mais pobres. Há ainda outros benefícios, como o rendimento adicional que seria obtido se os trabalhadores vivessem vidas mais saudáveis e mais longas.

Reformas tributárias são sempre muito difíceis. Na maioria das vezes, envolve compensações persistentes que impedem o progresso. No entanto, o aumento do custo dos alimentos ultraprocessados poderia ser uma das poucas ocasiões em que uma reforma fiscal representa uma situação vantajosa para todos. Teria um impacto positivo na saúde, reduziria as despesas relacionadas e, ao mesmo tempo, melhoraria as receitas. Tudo isto com um benefício significativamente maior para os pobres. Na verdade, o documento do Banco Mundial mostra que a tributação dos alimentos ultraprocessados teria um efeito líquido positivo para todos os grupos de rendimento, exceto para aqueles que se encontram no decil de rendimento mais elevado.

Mas a janela de oportunidade para obter tais benefícios está se fechando. Os hábitos nutricionais da população brasileira estão mudando rapidamente. Deveríamos também ter em mente que, embora a tributação destes produtos pouco saudáveis seja uma medida muito eficaz, ela deveria fazer parte de um cardápio mais amplo de políticas. Outras iniciativas importantes que podem ajudar a promover essa agenda incluem a rotulagem adequada dos alimentos e a criação de programas de comunicação pública em grande escala. Também será fundamental regulamentar a venda e o fornecimento de alimentos ultraprocessados e não saudáveis nas escolas e locais de trabalho. Outras medidas a serem consideradas incluem a reformulação do conteúdo da Cesta Básica do Brasil para melhor alinhá-la com o Guia Alimentar para a População Brasileira e a redução da carga tributária sobre os alimentos in natura.

Publicado originalmente pelo Banco Mundial

Por Shireen Mahdi – Folha de São Paulo

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial P. Facundo Cuevas, líder do programa de Desenvolvimento Humano para o Brasil, e Roberto Iunes, economista sênior.

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Ligeiro

04/03/2024 - 23h55

Uma das melhores práticas para a redução de consumo de ultraprocessados seria na verdade o incentivo ao consumo de produtos in-natura.
Nos últimos tempos, os “Mercados Municipais” tem se tornado um espaço gentrificado, com preços encarecidos para os alimentos naturais. O consumo de alimentos base como arroz, feijão e outros depende de idas ao supermercado, e os valores de tais alimentos são caros.

Subsídios para quem fornece produtos alimentares de base – e digo no caso a cadeia de produção com um todo, sendo produtores, vendedores e demais correlacionados – talvez também seja uma forma de compensar, dado que o produtor sempre acaba deixando os melhores produtos para quem paga melhor, no caso a indústria de ultraprocessados.

Incentivo e proteção de Hortas Comunitárias, aumento dos programas de alimentação social (Bom Prato), enfim, políticas que deixam o custo da alimentação saudável ao alcance do brasileiro que já ganha mal de tanto ser explorado.


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